sábado, 16 de maio de 2009

Anterbista cun Manuela Barros Ferreira - 2ª parte



A LA CUMBERSA CUN



MANUELA BARROS FERREIRA (2ª parte), cuntinando l que saliu na redadeira Fuolha Mirandesa. Nesta 2ª parte, Manuela Barros Ferreira dá un cuntapie público para a ampeçar a çcutir la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa, seia quanto a las regras seguidas, seia quanto a nuobos assuntos que dében de ser tratados. Al mesmo tiempo apersenta algues perpuostas que se puoden cunsidrar ousadas, i que algues pessonas ténen benido a defender hai muito tiempo.
Respundendo a esta abertura que eiqui ye dada por Manuela Barros Ferreira, criemos un nuobo blogue http://cumbencon2009.blogspot.com/ adonde todos poderan partecipar na çcuçon de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa.
A.F.




FM (FUOLHA MIRANDESA) – Quales fúrun las mais grandes deficuldades que sentistes?
MBF (Manuela Barros Ferreira) – Uma convenção não é só um problema linguístico. As dificuldades maiores consistiram em chegar a consensos para unificar a aceitação de determinadas soluções. Por exemplo, a aceitação da existência no mirandês dos ditongos «ie» e «uo», que derivam de «e» e de «o» breves latinos. Este é um fenómeno que liga o mirandês a Espanha, incluindo o leonês e não existe em galego nem em português. Portanto, são definitórios da especificidade asturo-leonesa do mirandês. Mas o ditongo «uo» estava praticamente desaparecido, e o ditongo «ie» era reduzido nuns sítios a «e» e noutros a «i». Foi, por isso, difícil pôr as pessoas a aceitarem a escrita «ie» e «uo», na Proposta de Convenção.
Conseguimos demonstrar a existência de «ie» através de espetrogramas feitos a partir de gravações dos próprios intervenientes mirandeses. Nesses espetrogramas aparecem claramente distinguidos como diferentes o «i» e o «e» do ditongo «ie». Por conseguinte, toda a gente esteve de acordo em escrever tierra e não tirra ou terra.
O ditongo «uo» foi excluído porque nenhum dos presentes o dizia em situação normal. Mas foi reintroduzido na Convenção Ortográfica, em 1999, por uma questão de coerência fonética e porque em situação enfática é audível.
Também houve muita discussão quanto a escrever «lh» ou «ll» e «ñ» ou «nh».
Tudo foi discutido até à exaustão e as resoluções foram adoptadas por consenso. É um produto da Linguística e também da política de consensos. Portanto, é mesmo uma convenção social, um “pacto”. Como nem todas as soluções têm uma defesa estritamente linguística, mas sim “diplomática”, digamos, tornou-se alvo de algumas críticas. Mas valeu a pena, porque hoje as pessoas têm de facto um guia para a escrita.


FM – La çcuçon alredror de la Proposta de Convenção Ortográfica trouxo nobidades?
MBF – Tinhamos proposto palavras com “gh”, como, por exemplo “manighero” em vez de “manijero”, mas isso causou estranheza e foi retirado, já que eram empréstimos espanhóis, como se pode ver na página 22 da Proposta. A sugestão de retirada foi de um linguista espanhol. Essa solução já não aparece na Convenção de 1999.


FM – Cumo ye que ls sturianos bírun todo este porcesso?
MBF – Perguntámos a opinião aos asturianos. Recebemos uma resposta em que nos recomendavam que escrevêssemos à portuguesa os fenómenos comuns com o português e à asturiana os fenómenos comuns com o asturiano. Acontece que a maior dificuldade estava nos fenómenos que são foneticamente iguais nas duas línguas, mas que se escrevem diferentemente em português e espanhol. Por exemplo, os asturianos seguem a tradição espanhola, quando escrevem “ñ” e “ll.” Na Convenção seguimos a tradição portuguesa de escrever “nh” e “lh”. Fizemo-lo por razões de simplicidade de ensino, porque a tradição de assim escrever em Portugal data de D. Afonso III, porque sempre os mirandeses escreveram com «lh» e «nh» e porque essa foi a opinião dos participantes.
Hoje eu certamente defenderia a grafia espanhola porque o som «lh» no início de palavras, não existe em português (a não ser na palavra lhano, que é um empréstimo castelhano) e porque a existência do lh- inicial é uma característica asturo-leonesa definidora do mirandês. Portanto, escrever «ll» e «ñ» seria uma maneira de aproximar de modo razoável, aceitável, o mirandês da sua ancestralidade asturo–leonesa.

FM – Anton, an resume, porquei l mirandés ye ua lhéngua çtinta?
MBF – Do Português, sem dúvida. Do castelhano, também. Do Asturo-leonês... também difere, porque nas suas especificidades há algumas que o ligam ao português transmontano e ao português clássico, como sejam as quatro sibilantes «s», «ç», «ss», «z» [casa / caça, cozer / coser, amasso / maço, çapato / sapo]; tem também o «j» [jantar]; além disso tem vogais e ditongos nasais que também existem em português: «on» (pronunciado oum ou õu); tem o infinitivo pessoal, como o português e o galego [ex: para acunhares ls uolhos tenes de tener suonho], e este é um dos traços morfossintácticos que mais individualizam o português e o galego face às outras línguas românicas.


FM – Fui aporbada ua Adenda i screbida ua perpuosta de 2ª Adenda. Considrais que la Cumbençon ye un testo cerrado ou debe de ser aperfundada?
MBF – A Adenda sobre o sendinês foi extremamente importante porque se não se tivesse feito, hoje teríamos, por um lado, uma literatura mirandesa muito reduzida, cumpridora das normas da Convenção ortográfica e, por outro lado, uma abundante literatura sendinesa, escrita de uma forma completamente diferente. Graças a essa adenda, temos uma verdadeira Literatura Mirandesa, relativamente unitária.
Quando a Proposta de Convenção foi feita, os problemas do sendinês eram tão complexos e tínhamos tão pouco tempo que não foi possível considerá-los. Com efeito, como já mencionei, esta começou a ser feita no fim de 1994 e o Dr. Júlio Meirinhos só aceitou apoiá-la com a condição de estar publicada em Julho de 1995, no dia da cidade, de modo que tivemos pouco mais de quatro meses para a fazer. Realizámos três reuniões para a discutir, de 2 dias cada uma. Os materiais eram previamente preparados por mim e enviados aos linguistas e ao Domingos, que os fazia chegar aos mirandeses intervenientes. Nas reuniões, todos os pontos eram discutidos, inclusive os exemplos.
Tivemos depois quatro anos de intervalo até à publicação da Convenção propriamente dita. Houve acrescentos importantes, tais como a introdução do ditongo “uo” e a conjugação de diversos verbos, regulares e irregulares e houve a eliminação do acento circunflexo dos ditongos “ie” e “uo”. Mas não se foi muito mais longe, porque eu fiquei doente durante bastante tempo e entretanto faleceu o Padre Mourinho. Era o Padre Mourinho que representava o sendinês, por ser natural de Sendim. Entretanto, as condições politicas locais tinham mudado, passando a haver outras prioridades. O Dr. Júlio Meirinhos tornou-se deputado na Assembleia da República e ali desencadeou o processo de reconhecimento da língua.
Mas respondendo finalmente à pergunta: considero que a Convenção não é um texto fechado e que deve ser aprofundada.


FM – Que camino bos parece que debe de ser seguido?
MBF – Nesta altura em que a prática da escrita já é usual, os novos textos vieram levantar novas questões. Continua a não existir uma escrita completamente unificada, pois há variantes pessoais, involuntárias ou voluntárias. Há aspectos que precisam de ser melhor explicados e outros que necessitam de ser aprofundados. E há novas regras a introduzir relativamente a assuntos que nunca foram abordados.
Era muito importante retomar o assunto com outra equipa, sem deixar, no entanto, de manter ligação com a equipa precedente.


FM – Stais çcpuosta a ancabeçar l trabalho de aperfundamento de la Cumbençon?
MBF – A encabeçar não, mas estou disposta a colaborar na elaboração. Talvez fosse bom ter nessa função uma pessoa de fora da terra de Miranda, por exemplo a Professora Cristina Martins, para assegurar o apoio académico, por um lado, e por outro para evitar rivalidades e para haver a garantia, perante o público, de que as opções a tomar serão dirigidas com completa isenção. Acho que a fórmula encontrada nas primeiras convenções foi boa: além de um universitário de fora, seria bom que a coordenação fosse partilhada com um mirandês que resida no local, sabedor, com prática de escrita, se possível professor, jovem e dinâmico, que assegurasse a coordenação dos mirandeses e sendineses intervenientes.
Acharia importante a presença, no grupo, de um leonês interessado em questões ortográficas.


FM – Quei bos parece que ye eissencial fazer quanto a la lhéngua mirandesa pa l feturo?
MBF – Pertence aos mirandeses a luta pela sua língua. São eles que devem elaborar manuais para os diversos graus de ensino; criar um dia da língua, anual; realizar cursos de verão, promovidos pela Câmara ou alguma outra instituição, nem que seja um curso de pequena duração, mas que leve gente a Miranda e tenha a participação dos locais; criar um jornal de Miranda em mirandês. E há que criar uma instituição que represente a língua mirandesa no circuito internacional.
O esforço mais constante devia ser feito a nível municipal: além de concursos literários, de um Boletim Municipal e site do concelho bilingues, há coisas pequenas que se podem fazer e que dão visibilidade à língua - como por exemplo, promover ementas dos restaurantes em mirandês. Outra coisa que não sei se já foi feita mas que acho importante: os objectos expostos no Museu de Miranda, e que são testemunhos da história rural da região, deviam ter etiquetas com o nome e a explicação de uso em mirandês. Mas o que é verdadeiramente indispensável é que as pessoas continuem a falar entre si em mirandês e a escrever na internet.
A nível governamental deviam ser tomadas medidas relativas à investigação da língua – por exemplo, a elaboração de uma Gramática e de uma Fonologia do Mirandês, com metodologia científica e terminologia actualizada – e devia regularizar-se a situação do ensino, integrando o mirandês no horário normal. E no campo internacional devia ser feita a ratificação da Carta Europeia das Línguas Minoritárias. Sem essa ratificação, o mirandês não tem o reconhecimento internacional a que tem direito: ele continua ausente do mapa das línguas minoritárias da Europa.

Anterbista de Amadeu Ferreira